Vozes do Ultramar: A Guerra em Moçambique

25-04-2018
Ângelo Sousa / @J.Lino
Ângelo Sousa / @J.Lino

Cada vez mais, a Guerra Ultramar Portuguesa vai caindo no esquecimento dos jovens. Cada vez mais, as gerações que vivenciaram esses tempos estão a desaparecer. Com o intuito de contrariar esta tendências e relembrar a importância do fator "Guerra Colonial", para a realização da Revolução dos Cravos, o 7 Sentidos realizou uma entrevista especial, com três conterrâneos, que viveram a disputa das ex-colónias, em meados do século XX, de perto. Aqui falámos com Ângelo Sousa.

Quando e onde é que começou o seu serviço militar?

Em Aveiro, foi em outubro de 1966, no Regimento de Infantaria 5. Depois daí, fui recruta até dezembro, e depois vim para o Porto, para o Regimento de Infantaria do Transmissões, fazer a tal especialidade em transmissões. Estive lá até princípios de abril (de 1967). Normalmente eram 3 meses que demoravam, e depois disso, fomos promovidos a essa especialidade, e fomos colocados. Eu escolhi Lisboa, o batalhão Caçadores 5 em Campolide, estive aí até meados de junho. Foi quando fui mobilizado! Fui mobilizado primeiro para Angola, mas depois os comandantes acabaram por trocar, e fui para Moçambique.

E chegou a estar em Angola?

Não, só de passagem! Conheço Luanda de passagem! Parávamos lá um dia e meio, para abastecer. Por isso só conheço Luanda, de um dia e meio para lá, um dia e meio para cá.

E que idade tinha o senhor quando foi para a tropa?

21, feitos! Fiz 21 em setembro, e fui em outubro. E quando regressei já tinha 24., também, quando cheguei a 13 de outubro de 1969.

Em Nacala, antes de partir de comboio para Valadim. (30-08-1967)
Em Nacala, antes de partir de comboio para Valadim. (30-08-1967)

E lembra-se do navio que o transportou?

O Niassa, para lá e para cá. De andar nesse navio, tenho 59 dias.

Como foi a partida?

A partida... foi triste para todos. A gente sabe que vai, mas não sabe se volta! Nos primeiros dias a gente pensa, mas vai-se distraindo uns com os outros. E pronto! Mas depois quando se chega lá, é que começamos a ver o que é aquilo: chegar ao quartel, olhar para aquilo e nem ter refeitório para comer, ter de comer de marmita, enfim! E principalmente no mato, no norte, havia problemas de abastecimento. Havia dias em que se comia razoavelmente, e outros em que se comia mal e passava fome.

Ângelo Sousa junto do emblema do batalhão
Ângelo Sousa junto do emblema do batalhão
Chegada a Lourenço Marques ( atual Maputo).
Chegada a Lourenço Marques ( atual Maputo).
Local.
Local.

Que tipo de relação tinham com a população local?

No local onde estávamos não havia população! Era só o quartel. Havia noutras companhias do nosso batalhão , mas distanciado.

E animais?

Animais, havia muitos! Era só de arame farpado à volta do quartel. Via-se leões, chitas, hienas, vários animais. Animais pesados, vi uma vez uma manada de elefantes. A gente parava, e eles passavam nas calmas deles. E também se viam macacos de toda a espécie (risos) e leopardos, javalis, zebras, bois-do-mato. E cacei lá muita coisa!

Sei que não saía muito do quartel, mas quando saía, quanto tempo passava no exterior?

Dependia, se fosse para ir à cidade mais próxima, buscar abastecimentos, para ir e vir, eram normalmente 10 dias. Mas dependia: a correr bem 10 dias davam para ir e vir, se houvesse problemas de minas, emboscada no mato, demorava mais tempo.

Hélicopetro destinado a evacuações. (01-10-1967)
Hélicopetro destinado a evacuações. (01-10-1967)

Chegou a viver momentos de perigo?

Eu felizmente, não tenho muitos! No dia em que viemos para outra zona, foi já em principios de junho, a minha coluna foi atacada, e a minha preocupação foi atirar-me par debaixo da Berlier, pois eu não era atirador. Mas aquilo foi uma coisa pequena, de 10 a 15 minutos. Mas foi a única vez em que eu me deparei com aquilo. Não me feri... a não ser uma vez que parti o pé a jogar à bola, no dia 31 de dezembro de 1967, curiosamente no último dia do ano! (risos)

Qual foi o episódio que mais o marcou?

Ao lado de um colega.
Ao lado de um colega.

Foi ver um colega meu com 23 meses, morto. Passámos uma zona de descanso, e esse moço, passou uma zona onde nunca ninguém pensou haver minas. São minas que já la estão colocadas há muito tempo. Esse moço ia visitar um pelotão, quando viu ao lado do picado, umas gazelas. Desviou um pouco para ver se apanhava alguma e a mina rebentou. Depois não houve assim nenhum outro momento muito mau! 

O primeiro ano foi mau, tínhamos saudades de casa, não víamos nada, não víamos ninguém. O segundo ano foi bom. A gente passava lá por umas "vilazecas" e já nos permitiam ir ao café à noite, e depois deixavam-nos ir dar umas fugidas às cidades grandes durante o fim-de-semana. Naquela altura Nampula era uma cidade muito grande.

Onde estava no 25 de Abril?

Estava em Cortegaça, a trabalhar! A malta nem sabia o que era aquilo. Mas já havia aí uns "zuns" de que aquilo estava mau. Naquele dia vieram à minha beira: " Ei, vem aí uma guerra!". Lembro-me como se fosse hoje! Mas nessa altura ainda estava malta no Ultramar. Foi a partir daí que começaram a abandonar as colónias de vez, senão aquilo durava para sempre...

Com um sagui ao colo, em Malema. (15-08-1968)
Com um sagui ao colo, em Malema. (15-08-1968)
Hora de almoço durante a guerra.
Hora de almoço durante a guerra.

Texto: J. Lino 

Fotos: J. Lino e Coleção Pessoal do Entrevistado

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