Vozes do Ultramar: O artilheiro do Norte de Angola
Cada vez mais, a Guerra Ultramar Portuguesa vai caindo no esquecimento dos jovens. Cada vez mais, as gerações que vivenciaram esses tempos estão a desaparecer. Com o intuito de contrariar esta tendências e relembrar a importância do fator "Guerra Colonial", para a realização da "Revolução dos Cravos", o 7 Sentidos realizou uma entrevista especial, com três conterrâneos, que viveram a disputa das ex-colónias, em meados do século XX, de perto. Aqui falámos com Brás Silva.
Começo por lhe perguntar quando e onde é que cumpriu o serviço militar?
Aqui. No grupo de artilharia nº3 , Paramos-Espinho.
E qual era a sua patente militar?
Era soldado raso.
E era especializado em...?
Em artilharia!
Certo.. E em que ex-colónia combateu?
Em Angola.
Em Angola.. Ah, em que região ou local?
No Norte de Angola.
Foi obrigado a combater ou foi voluntário?
Não, não fui voluntário nada! Já estava em casa há três meses , quando fui chamado outra vez fui para a tropa.
Em que ano?
1959.
Como se sentiu quando foi mobilizado?
Senti que não estava certo. Eu tinha os meus pais velhinhos. O meu pai morreu, passado meio ano de ser mobilizado. Recebi lá um telegrama a dizer que ele tinha falecido.
Como é que viajou para Angola?
Foi de... Foi de barco, no Uíge
E onde é que aportou esse barco?
Foi em Luanda, no Porto de Luanda.
E lembra-se, mais ou menos, quanto tempo é que demorou a viagem?
Ah, isso não! Eu passei o S. João no mar!
E houve uma festa?
Nós fizemos festa lá, à nossa maneira... à tropa!
Como era o aquartalamento?
Ah , era mau! Os aquartelamento lá fora eram maus. A gente levava coisas de campanha e montava.. montávamos a caravana onde a gente queria.
E como é que comunicava com a família?
Era por.. por umas postais que chamava-mos o aerogramas.
E uma vez, viemos à rádio! E diziam assim " Aqui fala a rádio ... rádio de Angola.Vai falar o Sr. Brás para a família, para os seus familiares".
Certo. Viveu momentos de perigo?
Vivi! Vivi alguns.
Saia muitas vezes para combater?
Foi.. eu andava sempre a patrulhar, sempre a patrulhar.
E quantas horas é que passava a patrulhar?
Dependia, se eu ia de Jipe, é que eu tinha um Jipe atribuído a mim.
E nós, eu e os meus colegas, fizemos uma blindagem de madeira toda à volta por causa dos cagangulos. Eles tinham uma arma, que se chamava cagangulo, que era carregada com pólvora, pregos e coisa assim do género e atingia-nos.
Para terminar, pergunto-lhe qual foi o episódio que mais se recorda quando lhe falam
da guerra colonial?
O episódio que mais me recordo?
Sim.
Foi uma ocasião em Angola que íamos a patrulhar e apareceu, apareceu um preto e eles deram-lhe um tiro e nós tivemos de o levar connosco, durante quilómetros. É que nós tínhamos um objetivo. Saíamos de um determinado sitio e íamos parar a outro , estás a perceber? E os outros estavam lá à nossa espera. E lá tivemos que aguentar com ele, atè tivemos que comer ali com o preto à nossa beira, e as moscas todas, era uma porcaria.
E onde estava quando foi o 25 de abril?
Onde é que eu estava quando foi o 25 de abril? Estava em casa...
E ainda tem amigos da época da guerra?
Tenho, tenho amigas, a gente encontrava-se quase todos os anos. Já não fazemos há três
anos, mas
juntavamo-nos sempre no jantar.
Texto: J. Lino e Ana Lemos
Fotos: J. Lino e Coleção Pessoal do Entrevistado