Vozes do Ultramar: O artilheiro do Norte de Angola

25-04-2018
Brás Silva revendo fotografias. / @J.Lino
Brás Silva revendo fotografias. / @J.Lino

Cada vez mais, a Guerra Ultramar Portuguesa vai caindo no esquecimento dos jovens. Cada vez mais, as gerações que vivenciaram esses tempos estão a desaparecer. Com o intuito de contrariar esta tendências e relembrar a importância do fator "Guerra Colonial", para a realização da "Revolução dos Cravos", o 7 Sentidos realizou uma entrevista especial, com três conterrâneos, que viveram a disputa das ex-colónias, em meados do século XX, de perto. Aqui falámos com Brás Silva.

Começo por lhe perguntar quando e onde é que cumpriu o serviço militar?

Aqui. No grupo de artilharia nº3 , Paramos-Espinho.

E qual era a sua patente militar?

Era soldado raso.

Brás antes de partir.
Brás antes de partir.
Brás Silva com a sua madrinha de guerra, Maria Cândida.
Brás Silva com a sua madrinha de guerra, Maria Cândida.

E era especializado em...?

Em artilharia!

Certo.. E em que ex-colónia combateu?

Em Angola.

Em Angola.. Ah, em que região ou local?

No Norte de Angola.

Foi obrigado a combater ou foi voluntário?

Não, não fui voluntário nada! Já estava em casa há três meses , quando fui chamado outra vez fui para a tropa.

Em que ano?

1959.

Como se sentiu quando foi mobilizado?

Senti que não estava certo. Eu tinha os meus pais velhinhos. O meu pai morreu, passado meio ano de ser mobilizado. Recebi lá um telegrama a dizer que ele tinha falecido.

Como é que viajou para Angola?

Foi de... Foi de barco, no Uíge

E onde é que aportou esse barco?

Foi em Luanda, no Porto de Luanda.

E lembra-se, mais ou menos, quanto tempo é que demorou a viagem?

Ah, isso não! Eu passei o S. João no mar!

E houve uma festa?

Nós fizemos festa lá, à nossa maneira... à tropa!

Como era o aquartalamento?

Ah , era mau! Os aquartelamento lá fora eram maus. A gente levava coisas de campanha e montava.. montávamos a caravana onde a gente queria.

E como é que comunicava com a família?

Era por.. por umas postais que chamava-mos o aerogramas.

E uma vez, viemos à rádio! E diziam assim " Aqui fala a rádio ... rádio de Angola.Vai falar o Sr. Brás para a família, para os seus familiares".

Certo. Viveu momentos de perigo?

Vivi! Vivi alguns.

Saia muitas vezes para combater?

Foi.. eu andava sempre a patrulhar, sempre a patrulhar.

Brás Silva em Angola.
Brás Silva em Angola.
Brás Silva com um cão, o Rex. (05-02-1962)
Brás Silva com um cão, o Rex. (05-02-1962)
O artilheiro em cima do seu jipe.
O artilheiro em cima do seu jipe.
Á chegada a Ucua.
Á chegada a Ucua.
Em cima de um monte feito por térmitas.
Em cima de um monte feito por térmitas.

E quantas horas é que passava a patrulhar?

Dependia, se eu ia de Jipe, é que eu tinha um Jipe atribuído a mim.

E nós, eu e os meus colegas, fizemos uma blindagem de madeira toda à volta por causa dos cagangulos. Eles tinham uma arma, que se chamava cagangulo, que era carregada com pólvora, pregos e coisa assim do género e atingia-nos.

Para terminar, pergunto-lhe qual foi o episódio que mais se recorda quando lhe falam

da guerra colonial?

O episódio que mais me recordo?

Sim.

Brás e o colega em cima do seu jipe.
Brás e o colega em cima do seu jipe.

Foi uma ocasião em Angola que íamos a patrulhar e apareceu, apareceu um preto e eles deram-lhe um tiro e nós tivemos de o levar connosco, durante quilómetros. É que nós tínhamos um objetivo. Saíamos de um determinado sitio e íamos parar a outro , estás a perceber? E os outros estavam lá à nossa espera. E lá tivemos que aguentar com ele, atè tivemos que comer ali com o preto à nossa beira, e as moscas todas, era uma porcaria.

E onde estava quando foi o 25 de abril?

Onde é que eu estava quando foi o 25 de abril? Estava em casa...

E ainda tem amigos da época da guerra?

Tenho, tenho amigas, a gente encontrava-se quase todos os anos. Já não fazemos há três

anos, mas juntavamo-nos sempre no jantar.


Certificado de Guerra. / @J.Lino
Certificado de Guerra. / @J.Lino

Texto: J. Lino e Ana Lemos

Fotos: J. Lino e Coleção Pessoal do Entrevistado

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