Vozes do Ultramar: O soldado-cozinheiro

25-04-2018
Sebastião Ribeiro em casa / @J.Lino
Sebastião Ribeiro em casa / @J.Lino

Cada vez mais, a Guerra Ultramar Portuguesa vai caindo no esquecimento dos jovens. Cada vez mais, as gerações que vivenciaram esses tempos estão a desaparecer. Com o intuito de contrariar esta tendências e relembrar a importância do fator "Guerra Colonial", para a realização da Revolução dos Cravos, o 7 Sentidos realizou uma entrevista especial, com três conterrâneos, que viveram a disputa das ex-colónias, em meados do século XX, de perto. Aqui falámos com Sebastião Ribeiro.

Onde é que começou o seu serviço militar?

Sebastião Ribeiro com fato de tropa.
Sebastião Ribeiro com fato de tropa.

Comecei em Aveiro, no RI 10. Em Aveiro fiz aqueles 3 anos para recruta, e ensinaram-me que quando fosse para a carreira de tiro não devia mandar nenhuma bala ao alvo, pois assim não ia "lá para fora". E lá fazia! Mas a minha especialidade era básica, que era uma pessoa que não sabia lidar com uma arma...E por lá fiquei, enquanto os outros foram para Setúbal. Eu aí estava bem!

Um dia a "patroa", a esposa do 2º comandante, perguntou-me o meu número. Eu lá disse o meu número, que era o 15247, e então ela disse: " Olha aí, que o teu número é um bocado baixo, e estás sujeito a ir lá para fora. Mas pode ser que não!''.

Eles moravam na Barra, em Aveiro, e eu ia todos os dias de manhã, levar-lhes o pão. E depois ficava lá todo o dia, eles gostavam muito! Almoçava com a esposa, filhas e aquilo para mim era uma alegria. Vinha ao fim-de-semana a casa quando queria, andava na rua com um cartão pedido pelo 2º comandante, e ninguém se metia comigo.

Um dia cheguei da Barra, e viraram-se para mim e disseram: '' Ó Sebatião, vai ali ver a lista'. Eu fui. Estava convocado e ia-me juntar à companhia 1618, em Setúbal, que pertencia ao R1 da Amadora. Lá fui, e onde é que me puseram? Na cozinha... a aprender a cozinhar, não tinha especialidade, não tinha nada, lá aprendi! Naquele tempo eramos obrigados!

Foi em que ano para a guerra?

Sebastião Ribeiro no regresso.
Sebastião Ribeiro no regresso.

1966. Em 1966, lembro-me por causa destes incêndios. Nesse ano tivemos de ir todos para a Serra da Arrábida, em Setúbal, combater um fogo. Aí os bombeiros disseram: '' Não vos armeis em bombeiros que isto só acaba quando chegar ao mar!''. Nós só íamos era salvar as casas. Íamos deitar as árvores abaixo, para salvar as casas!

Depois, foram 25 meses que estive em Moçambique. Saí de Lisboa, no barco em 16 de novembro de 1966 e regressei a 15 de dezembro de 1968. Eu vim, mas só comecei a trabalhar a 19 de janeiro de 1969. Trabalhava na SICOR, e cheguei da tropa, fui para lá. Trabalhei um ano, casei-me em 1969, passados cinco meses, fugi para França, e estive lá 38 anos!

E como foi a sua ida para Moçambique?

Sebastião rodeado de bananas e com um sagui ao colo.
Sebastião rodeado de bananas e com um sagui ao colo.

Moçambique... teve dias bons, teve dias tristes, teve dias de fome! Tivemos lá uns meses, em que eles se iam matando por causa dos cigarros. O avião falhou a trazer os cigarros, e um soldado no meio daquelas matas todas sem nada e à espera dos cigarros. Por uma ocasião, formaram uma coluna a dizer que iam a pé, os quilómetros que fossem necessário "até ao tabaco". Mas o capitão lá mandou um avião ir buscar cigarros. E então lá trouxeram um masso de tabaco para cada um, para três meses. Mas depois falhou a comida, só havia arroz e atum, arroz e atum, durante dois ou três meses. E ali... ali não havia nada! Éramos só 160 homens...

E qual era a sua patente militar?

Era soldado, soldado básico, que fez as três coisas na tropa:  fui soldado, fui cozinheiro, lá em Moçambique, e depois quando morreram uns cinco colegas, que fizeram com que a companhia deixasse de ter homens suficientes, éramos para ser divididos, uns para cada lado e então o capitão pediu para quem fosse volutário para ir para o lugar daqueles que morreram. Pronto, lá fui eu para atirador! Até me rebentaram umas mina à frente.

O soldado numa descarga de lixo.
O soldado numa descarga de lixo.

Um dia houve um ataque ao nosso acampamento. Foi a 27 de outubro de 1967 , estava a fazer o exame da 4ª Classe. Lá na tropa perguntaram, quem queria fazer o exame , e eu disse que queria. Eu estava a fazer o exame da quarta e foi ai que houve um ataque, e tivemos sorte que eles não sabiam dirigir uma artilharia, senão matavam-nos a todos lá. As granadas caíam, estavam para a esquerda e para a direita. No dia anterior tinham morrido já 5, num ataque a uma coluna de 26 soldados. A partir daí começou a ficar triste, lembro-me disso. Tenho colegas que ainda têm estilhaços no corpo, ainda hoje, que não podem tirar, e aquilo não faz mal nenhum. Ainda estão a receber um subsidio, passado 50 anos, , nós chegamos em dezembro de 1968. Foram 33 dias para cá, 28 para lá, foram quase dois meses de barco, para cá e para lá.

Desafio de futebol  com Macuas, em Moçambique (Soldados 5x2 Macuas)
Desafio de futebol com Macuas, em Moçambique (Soldados 5x2 Macuas)

Depois mais para o fim fomos para o norte de Moçambique, íamos jogando futebol de salão, o que agora é futsal. Nós até já tínhamos uma equipa de futebol.

E chegou a ganhar alguma coisa por essa equipa de futsal?

Ganhar, ganhar... sim ganhava liberdade, todos as noites. Praticamente todos os dias íamos jogar, e o de um restaurante pagava-nos uma jantarada de vez em quando. Ganhámos por nos divertir-mos, para jogar a bola, e chegamos a ganhar três torneios, tanto de futebol de onze, como de futebol de salão. Passou-se o tempo e íamos duas vezes por semana também ao safari, à carne, à caça da gazela,

Isso já no norte de Moçambique?

Sim, no norte de Moçambique, mas já cá em baixo. O norte, era a zona mais perigosa de Moçambique, era Mutamba dos Macondes.


@J.Lino
@J.Lino

E então estava em França quando foi o 25 de abril? 

Estava! Vi isso na TV francesa. O 25 de abril foi bom! Conhecia pessoas em Cortegaça, que não podiam falar contra o patrão, que eram logo presos, eram logo comunistas. E quando trabalhei na SICOR, tive um caso em que me aleijei numa mão, e tive de ir para o sindicato do trabalho. Mas quando lá cheguei, eles já sabiam! E castigavam uma pessoa por tudo e por nada!

Agora há coisas que se estão a passar, certos governos, certos banqueiros, não sei, há dinheiro que foge, há dinheiro que desaparece assim!


Texto: J. Lino 

Fotos: J. Lino e Coleção Pessoal do Entrevistado 

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